3º Capítulo

 

TERCEIRO CAPÍTULO

História de uma família

 

- Vamos sair daqui. Vamos para o Brasil.

 

Assim disse o chefe da família simples, trabalhadora, mas sem, contudo, encontrar futuro em sua terra natal.

 

- Não sei por que – pensava em voz alta – mas alguma cousa me empurra para aquele país.

 

Juntaram os apetrechos que podiam carregar e desfizeram-se do que não podiam. Tomaram o transporte que os conduziria ao “país promissor”, na esperança de conseguir o que em sua pátria talvez não conseguissem como pretendiam, apesar de simples. No coração dos “nascidos primeiro” – diríamos os mais velhos – a esperança; no dos mais jovens, a ansiedade do novo que iria se apresentar.

 

Foi assim que nos albores do século XX (não podemos precisar) aportaram no Brasil, com toda carga de ânimo que a novidade e a esperança trazem, ou melhor: que o desconhecido carrega.

 

Ouviam-se muitas histórias (ou estórias?) de perigos de guerra, mas o Brasil sempre se mantinha distante do campo de batalha, apesar de fazer parte do pacto internacional de auxílio mutuo.

 

Chegados, procuraram um lugar para se instalar. Pararam em um, não sei se por indicação ou por “acaso” mesmo.

 

Religiosos que eram, rezavam de acordo com seus costumes para que tudo desse certo e pudessem viver tranqüilos.

 

O lugar era bem simples, como eles próprios – repetimos – oferecendo espaço para suas atividades agrícolas e pastoris. Os maiores poderiam encontrar serviços e atuar nas profissões que principiavam a exercer empiricamente.

 

Luz elétrica? Nem pensar! Fogão? Ainda de lenha. Água de “cacimba” (que hoje conhecemos como poço) e bastante fé nos santos de suas devoções. Principalmente na Sagrada Família e no Mestre Jesus.

 

Conheciam as “rezas” para “espinhela-caída”, “olho-gordo”, “cobreiro” e de cor e salteado o “responso de Santo Antônio”. Ah, como sabiam!

 

Vida que segue e o filho caçula dos homens tendo, ou melhor, sentindo “coisas” que não eram normais naquela época.

 

Conhecedores do Espiritismo – mesclado com o Catolicismo, coisa de raízes – passaram a freqüentar o Centro Espírita Amor e Caridade Maria Madalena, regularmente. Lá o caçula desenvolveu sua mediunidade, quando a partir de então as “coisas” que sentia passaram a ser normais até certo ponto, pois ser levado de um lado para outro não era normal. Aliás, poderia até ser, não fosse o modo como acontecia: pelo ar. Quando via, estava do outro lado, “voando”. Hoje, conhecemos isso como mediunidade de transporte ou ainda, levitação.

 

Além disso, levava pancadas nas costas e tinha visões constantes. Também possuía o dom de “curar” (com suas rezas) e o de emitir receituários que, neste caso, era mais pela ajuda dos Espíritos do que dele próprios, pois nosso menino tinha pouca escolaridade. Também pudera! Em seu país o estudo era difícil para os mais simples e no lugar onde agora estavam não era diferente. Não podemos esquecer que estávamos nas primeiras décadas do século XX, final do XIX.

 

Era assim a vida naquela pacata comunidade: cuidar dos animais, colher frutas, legumes, verduras e... sair por aí tentando vender de casa em casa o que produziam para “negócio”.

 

O casal, severíssimo, não dava tréguas aos meninos. Mesmo assim, sobrava tempo para algumas traquinagens, nessa altura já com os amigos que fizeram entre as poucas pessoas que moravam naquele sítio. Era sítio mesmo, como o entendemos hoje.

 

O menino ajudava a seu modo, cuidando dos animais, fazendo um leve serviço caseiro e vendendo frutas. Tanto vendia que acabou sendo conhecido na localidade com o apelido do fruto que vendia – qualquer coisa assim como “laranjeiro”, “verdureiro” ou “bananeiro” – apelido que o acompanha até hoje “do outro lado da vida”. Mas ele não se aborrece como não se aborrecia naquele tempo. Mesmo sendo menino, seu coração já era bastante grande para se preocupar com esse tipo de coisa.

 

NOTA: Até aqui prevaleceu a suposição. Daqui para frente é a realidade.